domingo, 9 de setembro de 2007

recife de corais


dez anos separam minha primeira e última viagem de avião até então, desta, de semana passada, com destino a Recife. dez anos atrás, fiz minha primeira viagem ao exterior, para fora, para NY. primeira vez longe de casa, sozinho, com os próprios pés.
nas outras vezes, ao longo desses dez anos de hiato, viagens por perto, sem sair do espaço doméstico: mesmos amigos, mesmos lugares, mesmas conversas, mesmos... sem ver muito, apenas mais do mesmo – ônibus, carros e a pé. nessas, construiu-se uma indiferença a regiões, praias, fazendas, sítios, ruas, feiras de artesanato, festas populares. tornou-se real o sentimento de repetição dos lugares. cada vez mais angustiante não haver viagem que me deslocasse do lugar tal como a primeira, para NY – multidão a 45 centímetros de distância, como diz E.White.
lembrei-me das minhas viagens de garoto com meus pais para as praias do nordeste, sul e espírito santo. pertenço a uma geração mineira caracterizada, hoje em dia, pelo fato de que ir a praia não significa mais férias porque não se sai de uma rotina já conhecida: ir a praia durante as férias. ao ir a esses lugares, ou faz-se passeios por áreas próximas onde lhe atenderão como num fast food [“bom dia, o senhor deseja alguma coisa?”]; ou vai-se a praias próximas, que são outras praias ‘fast food’; ou se vai a feiras de artesanato onde são vendidas peças artesanais de griffe; ou sai-se a noite com amigos para beber e voltar de madrugada. qualquer coisa que aconteça nesse intervalo, não se dá pelos roteiros turísticos ou pela estrutura do lugar, mas porque bebe-se demais. hoje, o que há para se fazer? qual a possibilidade de estranhamento que os roteiros, lugares e eventos dão?
descobri que não sei mais viajar para não fazer nada ou para se fazer o que esperam que se faça: roteiros bem delineados. não consigo viajar para apenas sentar e ver o tempo passar ou assistir coreografias perfeitas de uma infra-estrutura produtiva cujas engrenagens perfeitamente montadas expelem qualquer possibilidade do fortuito, do acaso, do erro. estar no hotel, acordar de manhã, sair do quarto e saber que ao voltar estará tudo novo para mais uma noite de sono. preciso pegá-lo, esse corpo adestrado, arrancá-lo de seu enraizamento rotineiro, fazê-lo mover-se em direção a outros lugares que desconheço.
viajei, então, de avião para ajudar no ajardinamento do mundo.

Ajardinar = transformar em jardim
A jardinar = construir um jardim
entre transformar e criar, uma grande diferença.
fazer do mundo um jardim não é das tarefas mais fáceis, principalmente com tão pouco em mãos: doze mudas de árvores, um caminhão azul, enxadas, pás.

chegando as 20 horas a recife, sai para beber uma cerveja. fui andando rumo a um mercado que se dizia bom para beber numa noite. passando por praças simétricas e bem cuidadas, casas antigas de bairros antigos, trailers animados ao som de forrós, uma paisagem recifense que não parece em telejornais começa a se delinear em minha frente com diversos sons [nada de manguebeat ou Lenine, apenas músicas locais bregas] e prédios de 40 andares [!!!].
no caminho, o som da palavra cantada nordestina me seduziu. parei no mercado, comi cuzcuz, macaxeira, inhame, carne de sol ao molho bolonhesa e cerveja Nobel e fiquei calado grande parte do tempo, ouvindo os outros falarem, cantando. queria estar com um gravador de voz: não queria fotos nem filmes dali, apenas a voz para levar de volta para casa. a qualquer hora em que tudo começasse a acelerar demais em minha vida na cidade onde moro, em que minha vida começasse a se tornar produtiva demais aos olhos dos burocratas e publicitários, ouviria ‘ô meu lindo...não faça assim não’ e outras frases na mais correta gramaticalidade portuguesa. voltei carregando no estômago quitutes nordestinos através das ruas recifenses à uma da manhã.
dormi tarde a acordei cedo.


sábado, pulei na carroceria do caminhão velho azul de Fernando e fui a engenho do meio, bairro de recife. foram plantadas no solo duro das ruas transversais às grandes avenidas asfaltadas e de trânsito rápido do bairro, mudas de diversas árvores. chegar, avistar o possível canteiro, tomar em mãos a enxada e pá, abrir-se um buraco. pega-se a muda, planta-a e começa-se uma conversa, uma negociação para cuidar desse ramo asfáltico. cada uma das mudas terá sua cuidadora, uma pessoa que ficará responsável por cuidar dali em diante. depois de trinta dias, mandará uma carta reafirmando o compromisso e contando como está sendo cuidar da planta, como ele está entre outras histórias.
observávamos a planta sendo encrustada em solo hostil. ao mesmo tempo, uma das cuidadoras, Luzilene, contava sobre sua vida no oriente médio, seus filhos espalhados pelo mundo, seu sofrimento de estrangeira, seu alívio de estar de volta em casa mas ansiosa pelos filhos fora de seu alcance. sentou no passeio e começou a papear enquanto a carta a ser escrita e enviada dali a trinta dias lhe era entregue.
vi sua amiga aproximar-se para molhar a planta recém-cravada no solo. tomar conta de sua planta ajardinada no asfalto. acariciar e nomear sua planta. conversar com ela. rir para ela. ajudar a colocar uma saia nela e dizer que vai mandar a carta daqui a trinta dias para contar como ela está passando.

aparece Jéssica, menina de poucos anos em visita a casa da tia, para ajudar. pega terra, coloca outras mudas, conversa com todos, ajuda a cortar a saia, ri das brincadeiras, conversa com a tia. acaricia a terra para que a planta fique bem acomodada.
aparecem outros meninos para ajudar a acariciar a terra e outra cuidadora e cuidador são chamados a cuidar de suas plantas. os garotos ajudam a colocar a muda, a regá-las, a dar afeto. brincam com a planta e entre si.
foi como se a planta fosse o estopim que faltava para todas essas pessoas saíssem às ruas para se encontrar.
fernando, o motorista, empolga-se tanto com o ato de plantar no asfalto que nos convidou a ir a sua casa almoçar e plantar algumas mudas por lá.


fomos. sua esposa, Linda, preparou cuzcuz, arroz, pirão e levamos abacaxi e frango galeto. conversamos. gentilmente fui obrigado a comer jiló e outros legumes dos quais não sou afeito. sentei no chão, outros no sofá, outros na mesa numa casa, todos na casa de Fernando de um quarto, em cima de uma oficina, para conversar e ouvir sobre suas viagens por minas gerais, amazônia, pará, são paulo e outros lugares do brasil. na televisão, programas religiosos que assisti fervorosamente.
de sobremesa, abacaxi cortado em fatias que mal cabiam em minha boca de tão grandes. comi e dei-me por satisfeito.
fomos convidados, depois de conhecer uma pessoa, dono de um caminhão que iria nos ajudar a plantar árvores na rua, há três horas atrás, à sua casa, a sua família de filhos já grandes e que moram fora. proximidade que não tenho em meu bairro, em minha rua, com poucos amigos, mas que aqui me pareciam imanente à voz arrastada, delicada, acolhida dos recifenses
plantamos mais algumas mudas no asfalto com Fernando coordenando toda a ação.

explico: de repente, Fernando começou a explicar a todos o que estávamos a fazer por ali para outros possíveis cuidadores e começou a ditar as coordenadas de toda as ações. onde plantar, o que fotografar, o que filmar, como fazer. ele se tornou o diretor de todo projeto.
conhecemos Raimunda, telma, entre outros. conversamos, comemos goiabada, bebemos água e suco, rimos bastante. uma festa se instala no meio da rua.


voltamos ao jardim de onde as mudas saíram.

ida ao Mcdonalds para comprar um cheeseburger para trocar dinheiro. não importa onde vá, o gosto é sempre o mesmo, o lugar é sempre o mesmo, certeza certeira. à noite, ida a Olinda. nada demais. ouro preto sem gente. outro fast food, só que a céu aberto, com trinta barracas chamadas pitu [?!?!] vendendo as mesmas tapioca, acarajé e cerveja skol [aqui não se vendia Nobel].

domingo: café da manhã até meio dia num pequeno jardim nos fundos da pousada, lado a lado com uma tartaruga que quase não se movia de tão preguiçosa dentro de um lago. esperando o tempo passar.
pegamos um ônibus, descemos próximos a um Mc Donalds [um dos quatro que vi lá]: ida a praia, passeio boa viagem na praia de boa viagem. nadar entre a praia e um recife de corais, na água do mar que faziam anos que não experimentava.
a tarde e noite, ida a exposições numa galeria do banco real e numa outra, de fotografias, numa torre que não sei o nome, mas que era interessante devido a seu jardim na parte de trás. conversas andando nas ruas, comprando quadros de basquiat de um pintor de uma feira que se tornou pintor depois de um curso de extensão no senac. seus quadros, com preços de cem reais cada, deviam ser muito mais caros. avisamos a ele que deveria aumentar o preço de suas obras.
as coisas deveriam ser mais caras quando são Caras.

Um comentário:

Grazi disse...

Fantastica a viagem!!! Como seriam todas mais interessantes assim nao eh, sem "roteiros programados"!!!
Mas Fred, como são estes "quadros de basquiat"... não sei se ja comentou conosco, só lembro de vc contando o caso! Nao sei o que é basquiat..aliás nunca ouvi dizer! hehe. Valeuuuuu!
Graziiiii