quarta-feira, 21 de novembro de 2007

[op] sérgio + césar

Instituída como Patrimônio da Memória Nacional a partir de 1933 e tombada pelo IPHAN em 1938, a antiga Vila Rica que em 1980 foi considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO e hoje Patrimônio Histórico Mundial, representa inquestionavelmente a síntese da arte colonial mineira, não apenas pela expressão de sua história, mas pela excepcionalidade do acervo cultural que preservou.
(Secretaria de Cultura de Ouro Preto)


Com um altíssimo poder de atratividade turística, Ouro Preto conhecida internacionalmente por sua rica identidade histórico-cultural, desenvolveu ao longo dos anos um potencial de receptividade aos turistas, tornando uma das cidades mais visitadas em toda Minas Gerais.
Porém, os visitantes que vão a Ouro Preto conhecem a cidade apenas superficialmente, visitando igrejas, museus, pontes e vielas com um único objetivo: ver de perto os patrimônios que compõe o maior conjunto arquitetônico barroco do mundo e tirar algumas fotos para simplesmente comprovar sua presença no local.
A proposta da visita técnica trabalhada pela disciplina de Educação Patrimonial designada pelo professor Frederico Canuto era simplesmente contrária a essa idéia do olhar do turista sobre a cidade e seus monumentos. Ao invés de trabalharmos os atrativos turísticos, como por exemplo, a Praça Tiradentes – coração da cidade – os grupos foram direcionados a parte baixa de Ouro Preto, onde a finalidade era obter contato direto com os moradores para conhecer sua relação com o espaço em que vive e fazer parte dele por alguns instantes.
Com o traçado a ser percorrido já definido, o primeiro contato feito foi na estação do maior projeto de educação patrimonial do Brasil, o Trem da Vale. Incrementando as atratividades turísticas na região de Ouro Preto e Mariana, o projeto recuperou o trecho ferroviário entre Ouro Preto e Mariana, com 18 km de extensão. Apesar de manter programas de educação patrimonial destinados à comunidade e aos visitantes, podemos notar que público freqüente naquele momento era apenas de turistas, sendo em sua maioria, estrangeiros.
Lá, tivemos o prazer de conhecer Sr. Vinícius, responsável pela equipe de funcionários da estação, que nos recebeu enquanto fazia o embarque dos passageiros. Um encontro bem rápido, pois a próxima saída estava por vir, ele nos contou que mora em Mariana e desde 1986 trabalha na ferrovia. Acostumado com o vai-e-vem da locomotiva todos os dias, ele ressalta a importância do resgate do eixo-rodoviário que agora, possui outros objetivos com sua função cultural e turística. “Vale a pena conhecer e participar dessa viagem que retorna ao passado. Nela é possível conhecer as riquezas naturais de Minas Gerais passando por paisagens impressionantes” diz Vinícius. Por morar em Mariana, tem a oportunidade de ir para a Estação Cidadania/Ouro Preto e voltar para sua casa quase todos os dias a bordo dos vagões puxados pela Maria-Fumaça.
Por faltar apenas alguns minutos para o início da viagem, nos despedimos na certeza de que mesmo pelo projeto ter objetivo de integrar a comunidade local, os moradores não participam deste atrativo que é considerado a maior ação no Brasil voltado para a educação patrimonial.
Próximo a Estação, buscando atingir as situações propostas pelo trabalho, seguimos o itinerário demarcado pensando como poderíamos atuar nessa difícil missão de fazer parte do cotidiano daquelas pessoas que moram ou que passavam ao longo do nosso caminho.
Para planejar nosso trabalho, além de esfriar a cabeça naquela manhã quente, resolvemos parar em um bar, que na verdade era um dos butecos “copo-sujo” da cidade.
Sem imaginar na história que ali ia ser construída, solicitamos ao dono do bar que estava no balcão, algumas fichas de sinuca e uma cerveja. Muito simpático, Euzébio o proprietário do bar, retirou a lona que encobria a mesa de sinuca e trouxe nossa bebida. Após nossa primeira partida, resolvemos então convidá-lo para fazer parte daquela situação que estávamos construindo, logo ele aceito, e ao contrário do que imaginávamos, a integração foi muito natural. A cada partida, aqueles que estavam no local, também interagiam na situação, sendo palpitando em jogadas ou até mesmo jogando conosco.

Conversando com Euzébio confirmamos o fato que presenciamos na Estação. Realmente a presença de moradores no atrativo é muito pequena. Desde a inauguração do trecho ferroviário Ouro Preto – Mariana, o mesmo nunca teve oportunidade de ir, pois o valor é muito alto. “R$18,00 é o valor da viagem de ida e volta. Isso é só pra turista! Apesar de ter muita vontade de conhecer, até porque todos os dias ouço o apito dele e por passar na minha porta, não tenho condições de pagar esse valor” explica Euzébio.
Religioso, ele conta que sempre freqüenta as missas em algumas igrejas da cidade além de participar de algumas intervenções, manifestações culturais e eventos, como por exemplo, Festival de Inverno e Semana Santa.
Para ele, os patrimônios e atrativos de Ouro Preto são imensamente importantes para a oferta de empregos e por gerar renda pra cidade. Apesar de fazer o uso dos patrimônios, identifica que o alto fluxo de turistas as vezes atrapalha o movimento dos moradores nesses locais e em algumas vezes, não se sente parte integrante daquele cenário.
Há apenas um ano como proprietário do bar, trabalhava antes em um depósito de material de construção e hoje em dia, conta com a ajuda de sua esposa o ajuda no atendimento, inclusive no preparo dos aperitivos para seus clientes.
Após aproximadamente uma hora e meia dentro do estabelecimento, interagindo com o ambiente e os moradores locais que naquele momento usavam o espaço do bar como momento de descontração, fomos embora satisfeitos com a troca de experiências relacionadas ao uso da cidade de Ouro Preto.

A melhor experiência de relação com moradores locais, estava por vir. Buscando a oportunidade certa, o local propício para a construção da situação e um diferencial nas histórias que provavelmente seriam construídas pelos demais, nos deparamos com uma casa bem simples e humilde, que com seus “puxadinhos” e varais espalhados por todos os lados, representavam bem a vida e dia-a-dia do cidadão ouro-pretano.
Ainda com um pouco de receio de ser mal recebido, entramos no corredor de acesso a casa e com a porta aberta, pedimos licença a um senhor idoso que estava sentado sozinho à mesa. Imediatamente, por várias portas dos cômodos, as pessoas vinham saber quem estava conversando com aquele que posteriormente, descobrimos ser o bisavô da família. Sr. Gumercindo, muito simpático e disposto, logo nos ofereceu para sentar. Achamos aí, a oportunidade certa para desenvolver nossa missão.
Ao entrar na residência e nos apresentar, sentimos já interesse dos moradores em saber o motivo da nossa visita inesperada. Convidados novamente a sentar, nos foi oferecido um delicioso suco de laranja, depois de alguns papos, descobrimos que uma das moradoras da casa, filha da Maria Aparecida também estuda Turismo, porém curso técnico oferecido pelo Cefet. A partir daí, desenvolvemos nosso primeiro “gancho” para uma discussão sobre o turismo na cidade.
Assim como Euzébio, o dono do bar, toda a família é muito religiosa e freqüentadora das missas de algumas igrejas barrocas do conjunto arquitetônico da cidade.
Atentos a nossa explicação sobre nosso trabalho acadêmico e dispostos a ajudar, conseguimos mobilizar simplesmente todos que estavam na casa para um bate-papo a respeito do turismo da cidade e seu rico patrimônio, assim como questões políticas de Ouro Preto.
Surpreendemos com o quanto Maria de Fátima, Maria Aparecida, Vicente, Carlos e os demais estão envolvidos com a cidade e com a consciência de preservação dos monumentos. Eles nos informaram que desde o ensino fundamental, as crianças recebem informações sobre noções de preservação e conscientização do uso dos patrimônios para que no futuro, possam se sentir parte integrante do ambiente em que vivem, além de protetores da cidade.
Vicente retrata que o único empecilho de morar numa área de Patrimônio Histórico Mundial, é referente à burocracia existente contra construções e modificações das residências dos moradores. A necessidade de apresentar projetos à Prefeitura e ao IPHAN é muito desgastante e exige inicialmente um investimento de aproximadamente, R$2.000,00 sem ter a certeza de que terá retorno positivo. É necessário seguir as obrigações impostas, que na maioria das vezes, contradiz os desejos dos moradores.
Atualmente há vários projetos embargados na Prefeitura, já que a aprovação não depende somente dela. Por sorte, a casa no Bairro Antônio Dias de aproximadamente 55 anos, teve seu projeto aprovado e hoje em dia abriga 3 famílias. De acordo com relatos, muitos infelizmente não tiveram a mesma oportunidade e tiveram que simplesmente desmanchar tudo que haviam construído.
Referente a atividade turística no local, Vicente e Luiz possuem a mesma opinião. O desenvolvimento turístico sustentável em Ouro Preto traz novas oportunidades de emprego, geração de renda e circulação da economia local, proporcionando a comunidade um envolvimento maior com a atividade. Porém, em contrapartida concordam que Ouro Preto não possui infra-estrutura e não comporta confortavelmente o número de turistas que recebem.
Em eventos como o carnaval, a cidade fica completamente tomada por pessoas vindas de todas as partes, do Brasil e do mundo, atrapalhando o dia-a-dia desses moradores. O grande fluxo altera a rotina de todos que, possuem apenas duas opções: participar do evento ou simplesmente, se trancar em casa.
Ao serem questionados da reação que têm durante o carnaval, Vicente e Luiz afirmam que participam da festa e também recebem turistas, que na verdade tornaram amigos da família. Alguns freqüentam a casa, para tomar banho, comer e descansar há aproximadamente 8, 10 anos e a cada ano que passa, recebem mais pessoas. Orgulhosos, afirmam ter recebidos até finlandeses, sem nenhum problema com a língua estrangeira.
Após vários assuntos, começamos a conversar coisas ainda mais informais como relação ao Natal da família, pois é composta por muita gente, todos dizem satisfeitos que é uma verdadeira festa. Eles se reúnem na casa, que se torna pequena para a celebração. É necessário usar o espaço da rua, que por si só, torna um convite para outras famílias participarem do evento. “Não precisa nem chamar e convidar, pois os vizinhos já sabem da grande festa realizada e participam há muito tempo da Noite de Natal!” afirma, Maria de Fátima.
Posteriormente, a atividade foi encerrada com um convite de retorno à casa, que muita humildade, simpatia e receptividade, conquistou nós dois. A experiência única de participar por alguns instantes da tarde de sábado dos moradores, sem dúvida alguma fez repensar na importância do envolvimento dos moradores de uma cidade de alto grau de potencialidade turística, com os turistas.
Percebemos após todo trabalho feito durante esse dia que o turismo não é simplesmente dotado de coisas materiais com denominação de patrimônios ou de importâncias ambientais, mas sim de todo um valor emotivo que moradores daquela localidade tem por os edifícios ou pela natureza que ali está presente por de varias maneira afetar sua vida. Não apenas os moradores mas os próprios turistas que conhecem profundamente o cotidiano daquela localidade se sente mais realizado por fazer parte e interferir de algum modo, nem que seja por um momento, da vivencia de todo um ambiente.

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