segunda-feira, 19 de novembro de 2007

[doc-n] henrique

Borges chama atenção para o curioso fato de que o cinema, em seus primórdios, tenha sido chamado de biógrafo. Borges recupera o termo antigo, relevando a potencialidade que o cinema sempre teve de “apresentar almas”, de mostrar, em imagens, vidas e destinos.
A câmera de filmagem se torna se torna um instrumento visual de “escrita de vidas”, sendo o primeiro passo no processo de construção artística de um novo modelo de verossimilhança, compatível com as demandas da chamada “era da reprodutibilidade técnica”.
Tem-se a idéia de que reproduções cinematográficas reproduzem uma crença ilusória de que a vida pode ser representada em sua realidade mais intensa. O cinema nutriu-se dessa ilusão até os dias de hoje.
A tarefa do biógrafo consiste exatamente em escolher, dentre os inumeráveis traços humanos possíveis, aqueles que possam perfilar uma vida. Então os detalhes acabam se tornando tão importantes quanto os acontecimentos extraordinários para a vida de uma pessoa.
No documentaria de Eduardo Coutinho, Edifício Máster, foram catalogadas historias de 37 moradores de Copacabana. O documentário apresenta narrativas dos próprios habitantes, compondo um inventário de existências anônimas.
Eduardo e sua equipe alugaram um apartamento por um mês. O projeto era selecionar moradores que pudessem em sua diversidade, compor um mosaico representativo daquele espaço que traz um surpreendente arquivo de vidas comuns.
O diretor relata que no ato da entrevista, as pessoas acabaram revelando dados inesperados de suas vidas, como historias de infortúnio mas também de realizações.
Eram pessoas de todo tipo e possuíam várias profissões e cada um com sua circunstancia, memórias, fatos e ficções.
Objetos também acabaram se tornando alvo do trabalho, pois adquirem uma narrativa no filma. Isso é explicado por Jean Baldrillard quando ele explica que independentemente do uso que fazem do objetos, eles representam algo muito mais relacionado a subjetividade. Por isso o arranjo das coisas (objetos), não deixam de assegurar o espaço de circulação dos afetos, dando subtração material à complexa estrutura de interioridade que define esse mesmo espaço.
Tudo que é mostrado adquire uma explícita relevância no processo de figuração da subjetividade de quem narra.
A disposição dos móveis e objetos diz algo de quem os possui. A seleção e ordenação dos fatos contados revela uma forma particular de arquivamento da própria vida. Philippe diz que “a escolha e a classificação dos acontecimentos determinam o sentido” que se deseja dar a uma história.
O filme de Eduardo não apresenta jogos nem artifícios e da prioridade aos retratos humanos. Ele parte dos moradores para contar a história dos prédio, transformando as histórias pessoais em matéria-prima, trazendo ao seu filme o que Borges valorizou no termo biógrafo, pois a Eduardo Coutinho importam os destinos, as “almas” de suas personagens.
Por fim, Eduardo Coutinho evidencia que a existência efetiva de um homem ou mulher é um conjunto de circunstâncias e afetos.
O Edifício Máster possui um caráter social, onde os conflitos sociais se fazem presente. As entrevistas revelam um espaço conflituoso, tanto na esfera pública quanto na privada e, na pública os conflitos são mais intensos. O isolamento das grandes cidades é evidenciado nas entrevistas, onde as pessoas desconhecem até mesmo seus vizinhos.
A riqueza das narrativas é visível. Outras interpretações poderiam ser feitas, outros aspectos poderiam ser colocados, bem como outras narrativas. As interpretações dessas narrativas são derivadas do encontro ou desencontro do intérprete com o entrevistado.
A proximidade pode mostrar que não há encenação, mas drama real, sentido na carne de cada um. Cada depoimento é um pedaço de vida nos lembrando que, atrás daquelas faces anônimas, existem seres humanos em toda a sua plenitude, complexidade e diferença.
E talvez essa seja a principal mensagem que esse documentário tenta passar: a complexidade do ser humano e importância de humanizarmos os outros no nosso processo diário de interação, comunicação e convivência.

Links
www.rabisco.com.br/09/edificiomaster.htm
www.contracampo.com.br/criticas/edificiomaster.htm
www.mnemocine.com.br/aruanda/coutinho2.htm
www.sobresites.com/alexcastro/artigos/master.htm
www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/edificio-master/edificio-master.asp

Noticias
www.ideiasmutantes.com.br/archives/2005/08/edificio_master.html
a8000.blogspot.com/2007/10/de-edifcio-master-jogo-de-cena-coutinho.html
www.espm.br/sbe/cinema/sexta/edificio_master.pdf
derepente.wordpress.com/2007/08/20/edificio-master/
obscenum.blogspot.com/2005/04/edifcio-mster-1.html

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